As minhas sugestões de leituras para o fim-de-semana
Nos últimos tempos, aproveitei para reler alguns livros que me marcaram. Reler não é um exercício de repetição, mas antes uma oportunidade de descoberta. Quando relemos um livro, encontramos novas facetas e pormenores. Olhamos certas passagens com outros olhos. A história é a mesma, mas o seu efeito em nós pode ser completamente diferente.
Esta magia é especialmente mais intensa nos clássicos. Em obras de referência que são intemporais e que sobrevivem aos anos, às décadas, aos séculos. Portanto, nunca é demais ler ou reler as três sugestões de livros que hoje vos trago.
Apesar de serem romances diferentes, de autores distintos, estas obras têm alguns aspetos em comum. Todas foram adaptadas ao cinema e refletem sobre a natureza humana, seja nos desafios mais banais do quotidiano, seja em situações limite. Quanto a mim, é este ponto que torna estes livros tão cativantes e envolventes. Cada ser humano vive um pouco em cada uma destas histórias, com aquilo que tem de melhor e também de pior.
Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago
E se, de repente, toda a sociedade ficasse cega? É este o ponto de partida para a história contada por Saramago neste romance, em que a cegueira visual serve de metáfora para a cegueira mental que tantas vezes afeta o ser humano.
Alguns dos aspetos curiosos desta obra são o facto de não existir uma localização temporal da história e de as personagens não terem nome. Assim, o autor possibilita ao leitor enquadrar esta narrativa em qualquer contexto e cenário.
Na apresentação deste livro, Saramago disse: “Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.” Efetivamente, este livro reflete sobre a natureza humana quando confrontada com uma ameaça, neste caso, uma doença que, subitamente, afeta toda a sociedade. É, por isso, impossível em tempos de pandemia não estabelecer um paralelismo entre a ficção e a realidade.
É possível controlar a propagação vertiginosa de um vírus, sem perder o humanismo? É possível sentir medo e não ser cobarde? É possível enfrentar uma ameaça, sem ser egoísta?
O Deus das Moscas, William Golding
Após um avião despenhar-se com um grupo de jovens numa ilha, é necessário instituir uma ordem que garanta a sobrevivência do grupo. Para isso, é nomeado um líder (Ralph). Os objetivos do grupo são divertirem-se, sobreviverem e fazerem sinais de fumo para, assim, alertarem os barcos que por ali passem.
Contudo, com o avançar das páginas, o autor mostra-nos que, rapidamente, os jovens se “perdem” na liberdade, nas iguarias e na diversão proporcionadas pela ilha. E a fogueira, necessária para fazer os sinais de fumo, deixa de ser vigiada.
À medida que progredimos na história, Golding apresenta-nos um grupo de miúdos cada vez mais agressivo, descontrolado, selvagem e primitivo. Finalmente, quando um oficial da marinha britânica aparece na ilha para resgatar os jovens, constata que três dos miúdos acabaram por morrer e a inocência associada à juventude deu origem a um cenário desolador.
Esta visão pessimista da espécie humana é muito marcada pela experiência de Golding, enquanto oficial da marinha britânica, durante a 2ª Guerra Mundial. Os horrores da guerra e dos campos de concentração nazis e “o terror à espreita de uma oportunidade” que Golding confidenciava carregar consigo resultaram numa perspetiva descrente na humanidade, também bem expressa numa outra frase sua em que disse: “o homem produz o mal como a abelha produz o mel.”
Para Golding, Auschwitz não era uma anomalia histórica, mas sim a natureza humana no seu estado mais puro.
A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera
Um outro registo que se debruça sobre a natureza humana nas suas questões mais mundanas é esta obra de Milan Kundera. Esta é a história de um quarteto amoroso que, entre amores, desamores e traições, se debate com a dicotomia dos compromissos que a sociedade impõe e o desejo intrínseco de liberdade, transversal a todo o ser humano.
Ao longo da narrativa, são feitas várias reflexões sobre o amor, a individualidade, a esperança e a própria condição humana, repleta de conflitos interiores. Além disso, este romance tem como cenário social e político os acontecimentos da Primavera de Praga de 1968. As críticas ao comunismo estão subjacentes a algumas passagens do livro e espelham vivências do autor, como o facto de ter sido duas vezes expulso do Partido Comunista e ter-se exilado em França.
Um outro tema que paira sobre toda a história é a morte. De forma mais ou menos explícita, o autor mostra-nos como as relações humanas são, muitas vezes, uma forma não de escaparmos à morte, mas de garantirmos que não morremos sozinhos.
Este romance convida a um exercício profundo de introspeção, ao questionar-nos acerca daquilo que queremos enquanto indivíduos e enquanto sociedade.
Espero que gostem de ler ou reler estes livros tanto como eu. Para mim, a literatura é um meio para crescermos e para nos ficarmos a conhecer melhor, como seres humanos. Viajar no tempo e no espaço, sem sair do lugar. Contactar as vezes que quisermos com as palavras dos melhores escritores de sempre!